top of page

3 lições da India


Rio de Janeiro, 20 de março de 2018 Querida amiga, querido amigo, Seis meses depois de voltar da Índia, eu me sento para escrever esta carta convocando minha memória sobre tudo o que vivi naqueles 18 dias de mochila nas costas, pés na estrada e muitos e muitos quilômetros percorridos em trens repletos de vida! Após a primeira semana vivida em Calcutá, ainda em junho de 2017, e que você pode acompanhar através do meu diário, arrumei minha mochila e iniciei minha Jornada ao longo do Rio Ganges, indo de Calcutá que fica próximo a sua foz, até Rishikesh que fica a 1500 km em direção ao Himalaia, de onde vêm suas nascentes. Passei por várias cidades consideradas sagradas e de cada uma delas recolhi alguma lição. Poderia dizer que foram muitas lições, mas resolvi passar na peneira e ficaram três: a primeira foi na cidade de Bodhygaya, onde pude sentir do que se tratou a iluminação de Buda; a segunda, em Varanasi onde pude sentir como integrar a morte à vida; a terceira lição foi em Rishikesh, onde pude compreender que não existem caminhos de auto-conhecimento pré-definidos. Foram essas as lições que escolhi compartilhar contigo. Eu teria um mundo de coisas para te contar do tipo… comi arroz branco e ovo cozido durante dias e dias, por conta da pimenta, presente inclusive nos sucos de fruta; poderia contar que fui expulso de um trem no meio da noite, no meio do nada, porque minha passagem não havia sido comprada corretamente pela internet; poderia contar que o Taj Mahal, o túmulo de uma princesa e seu amado, em Agra, não me impressionou tanto quanto o Forte Vermelho, que fica na mesma cidade e onde moraram milhares de pessoa, durante anos, cercados de inimigos do lado de fora das muralhas, com túneis subterrâneos secretos para chegarem alimentos e água. Houve também cenas picantes, sensuais, (e) quase eróticas, ou talvez extremamente eróticas… Mas isso pode ficar para as próximas cartas. Nesta vou aprofundar estes três temas… bem, aprofundar será enorme pretensão, tocar seria mais realista. Sidarta Gautama passou seus dias decisivos, antes de atingir a iluminação, em Bodhgaya, um bairro numa cidadezinha chamada Gaya. Em Bodhgaya existe um jardim imenso, onde ficam os lugares especiais, as estações meditativas pelas quais passou Sidarta Gautama. Neste jardim existe um lago com a estátua de uma grande serpente naja que o protegeu como um guarda-chuva, enquanto Sidarta meditava sob forte chuva. Também la está o local onde ele, em estado meditativo, se encontrou com grandes demônios que o tentaram com dor e prazer, e o local onde ele foi fisicamente à beira da morte, desidratando-se completamente, ficando pele sobre osso. E é claro, também lá temos 'A Tília', a árvore sob a qual ele realizou sua “grande compreensão”. Tenho estado interessado nesta mesma compreensão minha vida inteira, então pensei: “Tendo vindo até aqui vou me dedicar a compreender qual foi, do que constou, a iluminação de Sidarta, levando-o ao estado de um Buda.” Ousado… Eu fiquei um dia inteiro andando por esses jardins, de pés no chão, pois neste lugar só se entra descalço, num dia quente, muito quente, em caminhos de mármore quentíssimo, com uma garrafona de água (mochilas e comida não entram), sentando em cada um dos lugares definidos para as etapas meditativas que Sidarta passou… Fui lendo atentamente as plaquinhas que era possível ler e aos pouquinhos, num silêncio absoluto, incrível, os turistas em silêncio, ao ar livre, garrafa com água morna, 40 graus, bolhas nas solas do pé… e dentro de mim, foi crescendo uma idéia de que Sidarta desejou mergulhar na intimidade de cada objeto, de cada ser vivo, seja ele, planta, animal, um indivíduo ou um grupo de indivíduos. A esses objetos” aos quais Sidarta desejava conectar-se em profundidade, eu vou chamar de fenômeno. Foi chegando para mim que ele queria, a partir e de dentro do fenômeno, compreender a sua natureza última. Eu traduziria usando uma linguagem que tenho aprendido/experimentado que Sidarta buscava o que Goethe chama de pensamento originário ou força originária daquele fenômeno. Foi assim que traduzi a afirmação de que ao final de alguns dias meditando e sendo tentado por demônios, através de rigorosa concentração, ele pode manter-se no foco espacial&temporal meditativo e a partir desse foco, mergulhar no coração dos fenômenos, ligando-se profundamente a eles. A partir deste momento, quando você toca o coração do fenômeno, do outro, já não existem mais a prevalência de personalidades e sofrimentos circunstanciais que possam distrair a nossa atenção. Estamos num estado de contato profundo e íntimo com o outro, com a situação, com o objeto ou ser vivo. Podemos “amá-lo como a nós mesmos”, o que seria a tradução Cristã para a iluminação budista. Assim, quando terminei este primeiro dia, eu tinha muitas bolhas na sola dos pés e alguns pensamentos “querendo ser genuínos”. Peguei meu tênis e mochila num guarda volume e voltei num Tuc-Tuc(motos com carrocerias para carregar até 4 pessoas, tipo uma charrete) caindo aos pedaços para a estação de trens. No meio da caminho, uma tempestade torrencial caiu, uma inundação que jogava para dentro do Tuc-Tuc ondas e ondas de água misturada com muito xixi e cocô dos imensos lagos de esgoto a céu aberto, bem no centro de Gaya. Era o iniciozinho das monções, a grande época das chuvas na India. Cheguei à estação de trem ensopado, fedido e faminto(péssima combinação). Dentro de mim uma grande festa pelo contato tão íntimo com a alma do Buda. Eu sentia que havia entrado no coração do fenômeno Buda. (…) A segunda lição que quero compartilhar com você diz respeito ao que nós fazemos com a morte, tornando-a um tema hospitalar, médico, antisséptico, tabu, separado da vida, solitário e desesperador. Passei uma noite dentro de um trem da década de 60/70. Um trem que por si só valeria muitas cartas. Muitas pessoas que viajavam em diversa categorias de conforto. Eu estava na classe B AC(ar condicionado), que tem caminhas beliches para dormir, com lençóis, travesseiros e cobertores higienizados e entregues em sacolas plásticas à entrada do trem. Depois de uma noite neste trem, sempre na direção leste-noroeste, cheguei em Varanasi, também conhecida como Benares - várias cidades têm mais de um nome, seguindo as tradições que já a dominaram/dirigiram. Esta cidade que tem mais de três mil e quinhentos anos de história, foi construída ao longo das margens do Rio Ganges, ou Ganga como é carinhosamente chamado. Varanasi é uma visão impressionante, deixando os “velhos” castelos medievais europeus como se fossem meninos brincando no quintal. Os Palácios ao longo do Ganga River, construídos com uma pedra vermelha e porosa característica da região, têm três mil anos! O que fui aprendendo naqueles dias calorosos é que os indianos da religião hinduísta acreditam que a pessoa que morre ou é cremada em Varanasi se liberta do ciclo de encarnações. Então, às margens do Ganga, a cidade se transforma em grandes arquibancadas, e nessas arquibancadas, acontece de tudo que se possa imaginar: turistas fotografando, barraquinhas vendendo mundos de coisinhas, vacas e búfalos pulando entre os imensos degraus como se fossem borboletas. De tempos em tempos essas arquibancadas se abrem em “palcos”, que são os Ghats. Alguns dos Ghats são locais onde se queimam/cremam os corpos das pessoas falecidas, outros são para grandes momentos de prece, danças, festivais… Cada Ghat de cremação tem uns 10 leitos, de 2,50m por 1,20m como se fossem piscinas-churrasqueiras individuais para cada corpo, onde se arrumam as toras de madeira sobre as quais será depositado o falecido para queimar, a céu aberto, durante horas. Eu passei três dias nesta cidade e metade deste tempo eu fiquei aí ao lado, dentro, abaixo, em cima, do Manikarnika Ghat, um dos principais Ghats crematórios, observando, vivendo, sentindo o cerimonial de celebração, despedida e cremação dos corpos dos queridos falecidos. Eu poderia ficar páginas descrevendo este cerimonial, mas resumidamente os corpos chegam em macas feitas de bambu e cordas trazidas por homens. Não vi nenhuma mulher perto deste local. Me disseram que as mulheres foram proibidas de participar porque se jogavam dentro do fogo junto com seus amados maridos, filhos ou filhas. A maca é trazida por cinco ou seis homens, membros da família do morto. No entorno deles, na frente e atrás, vão o que eu, no meu olhar ocidental chamaria de mendigos, mas na verdade são os sacerdotes do cerimonial. São bem magros, barbudos, cabeludos, (…) sujos(?)… e chegam entoando mantras. O corpo do cadáver está envolto em vários tecidos: o primeiro tecido que fica em contato com a pele é como uma gaze muito fina, branca ou vermelha que são é a cor de Shiva, a face transformadora da tríade dos deuses hinduístas. Não presenciei cenas de desespero e sobretudo no rosto dos homens, o que transparecia era o estar cumprindo algo muito sério que precisava ser feito corretamente. O corpo então entra neste local, com os leitos de fogo, que têm uma uma mureta ao redor e segue em cortejo até às margens do Ganga. Dentro da água você pode reconhecer muita quantidade de cinzas e flores boiando. Assim, perto do Ghat, o rio fica bastante tomado de 'matéria orgânica’. Dentro da água, barcos de 8m x 4m, sustentam pilhas imensas de toras de madeira. É uma visão muito impressionante, aquelas montanhas oscilantes de toras, como defuntas e silentes testemunhas de nossas intensas e parcas jornadas de viventes. O corpo está ali, no chão, às margens do rio, sobre um solo de cinzas de outros corpos. Fazem algumas orações, sem nenhum movimento ritualístico específico, ao menos que eu tivesse percebido como tal, e então, mergulham o corpo do defunto dentro do rio, num batismo rápido de entrada em outro momento da vida. Daí já trazem o corpo para uma das piscinas-churrasqueiras que está preparada com lenha. Depois eu aprendi que as pessoas mais ricas compram madeiras mais perfumadas para a fogueira; a mais perfumada de todas é o sândalo, caríssimo e guardado por vigias, inclusive. Então, o que eu vi é que as pessoas compram pedacinhos de sândalo, que se vendem nas lojas, e colocam esses pedacinhos no meio da madeira comum. O perfume ajuda a elevar a alma/espírito do morto. O corpo é depositado sobre a madeira, cuidadosamente arrumada. Algumas famílias fazem fotografias ao lado do rosto do defunto, outras simplesmente ficam ao lado desse corpo por um tempo. Eles retiram um primeiro pano, muito colorido, meio ráfia, meio plástico, prateado e dourado, brilhante. Este pano é retirado e é jogado no chão e assim, ao final do dia, você tem uma montanha desses panos que não são levados e nem são reutilizados. Um dos sacerdotes faz orações em cinco pontos em torno do corpo, uma em cada lado dos pés e duas posições acima da cabeça; depois um dos familiares abre duas ou três latas de algo como uma banha branca e esta banha branca é esfregada em várias partes da gaze que envolvem o corpo do defunto e jogada entre as madeiras. Na sequência, um dos sacerdotes sobe os degraus até bem alto, em direção à cidade, onde tem um 'templo do fogo eterno’', para pegar uma brasa. Esta brasa que eles chamam de fogo eterno não se apaga há mais de mil anos!! Lá nesse templo ficam sacerdotes, normalmente deitados, relaxados, dormindo, tomando conta do 'fogo eterno’. Isso foi um grande aprendizado na Índia, presenciei as tarefas mais sagradas sendo cuidadas de forma trivial, dentro da vida, inclusive dormindo. Quero isso em mim!! Voltando à cena do fogo eterno, imagine todos os sacerdotes que estão cuidando das cremações subindo e descendo as escadarias, buscando as brasas em maços de capim… então você está lá diante desse movimento bonito dos sacerdotes subindo e descendo os degraus para buscar a brasa que vai dar início à fogueira. Quando chega a brasa é um momento bastante entusiasmado das pessoas; algumas conversam, outras falam em voz alta algumas palavras, algumas tocam o corpo do falecido e desamarram várias partes do corpo que estavam amarradas - os polegares dos dedos dos pés e das mãos chegam amarrados e o queixo chega amarrado com uma bandana no alto da cabeça. Com estas partes desamarradas, o sacerdote traz o maço com a brasa e começa a assoprar bem abaixo dos pés do morto e logo capim, brasa, madeira e banha se transformam em fogo. O fogo, então, vai lentamente evoluindo dos pés para a cabeça. A cabeça é a última parte que vai queimar. Depois de alguns minutos, aquela piscina se transforma numa imensa fogueira de 2,5m x 1,2m, até uns três metros de altura. Observei que algumas famílias ficam por perto, onde tem umas barraquinhas, e outras famílias simplesmente vão embora e voltam no outro dia, ou em x horas depois para recolher restos, que nem consigo dizer se são as cinzas do morto porque ao final é uma grande mistura de pedaços de madeira que ainda estão fumegando e pequenos pedaços dos ossos maiores, isto constitui um todo de restos que estão por ali… A cremação toda dura muitas horas e depende da qualidade da madeira. Observei,atentamente, como cada parte do corpo reage ao fogo. Esta foi uma experiência muito forte, obstinada, sustentei o desejo de vivenciar a deterioração do corpo humano passo a passo, acreditava que isso geraria dinâmicas interessantes em mim… não vou relatar isto aqui, mas foi absurdamente libertador presenciar corpos de senhoras e senhores, de jovens belíssimos e crianças ainda aparentando vida, queimando. De forma assustadora se reposicionou dentro de mim, sempre uma vez mais, uma compreensão sobre o valor relativo de tudo. Ao final, quando termina completamente a cremação, “entram em cena” vários homens, muito magros, que ficam por ali entre as fogueiras e as águas do rio. Eles ficam catando coisas e eu fiquei intrigado. Observei, observei… e vi que eles catam pedaços de metal, obturações dentárias, próteses, ossinhos, coisinhas que sobrevivem ao fogo. A família, às vezes, retorna e recolhe um pouco de cinzas e, o que não é recolhido, é jogado dentro da água. Então, perto dos locais de cremação, as águas do rio são praticamente cremosas. E os homens magros - que depois fui deduzindo/fiquei sabendo – são os Dalits, os considerados ‘intocáveis’, a casta intocável, e são eles os grandes responsáveis por honrar os estágios finais da cremação, e pela “higiene” de todo o espaço e, surpreendentemente, eles se banham neste local onde as águas parecem ser tão sujas. Mas, sinceramente, este meu critério de limpeza e sujeira já havia se desestruturado e modificado tanto que eu não sabia mais dizer o que era sujo e o que era limpo… Tanto é que, no dia seguinte, tirei as roupas e mergulhei no Ganges… um pouco mais acima desse local 'cremoso'… foi intenso e fantástico sentir aquela água-cultura me possuindo por todas as entranhas. Três longos mergulhos é o que prevê a tradição. Cumpri. Então, queridos, após esses dias observando os complexos e lindos rituais da cremação hinduísta, seus cheiros, suores, banhos nas águas prenhes da vida integral, foi crescendo dentro de mim a reflexão sobre o que fizemos/fazemos com a morte em nossa civilização (ocidental). Parece-me que o terror insuportável de sabermo-nos finitos sob alguns aspectos, sobretudo a transmutação de nossa personalidade e da consciência sobre nós mesmo, gerou em nós um terror insuportável sobre a morte. Tudo bem, sinto isso em mim. E assim preferimos separar a morte da vida, e entregar a morte para que um outro ente, seja ele o estado ou outras instituições especializadas, cuidem dela. Desta forma, muitos de nós morrerá sozinho, sedado, limpo e separado dos locais em que passou a vida e que mereceriam ser o pano de fundo para este momento fundamental de colheita. O que eu vi em Varanasi foi uma integração admirável e assustadora da morte como parte da vida; da morte íntegra, suja, quente e controversa, cuidada até os últimos momentos pelos entes amados do morto. O Estado e as instituições devem ficar fora da morte, ou pelo menos como coadjuvantes! Minha vida tem sido coroada por mortes inesperadas de algumas pessoas muito queridas . Também tenho tido a sorte de outras pessoas queridas, acompanhadas por médicos em hospitais, morrerem em minhas mãos. Sempre agradeço por essa “grande mestra” ter escolhido ficar perto de mim. Essa aprendizagem com a morte, fez crescer em mim um desejo de honrar a vida destas e de todas as pessoas, em sua morte, com os meios, com as habilidades, com as ofertas que nós, seus amigos, parentes queridos, podemos dispor. Seja no momento da morte em si, seja no momento do funeral - a festa máxima e depois, pelo resto de nossas vidas, honrando sua memória, em liberdade e superação. Tenho tentado manter a vida nesses momentos da morte; tenho convidado as pessoas a falarem espontaneamente nos velórios, a cantarem, a dançarem, a tocarem no corpo do morto e a mexerem nesse corpo, amando-o por uma última vez. A manifestarem os seus sentimentos incivilizados. colapsando, desmaiando, gritando, chorando, silenciando, rindo! Não admito mais a morte civilizada. A morte contida. A morte compreendida. Para mim, Varanasi foi uma lição de boas-vindas à morte, a terrível boa vinda. No trem, na noite que se seguiu a Varanasi, eu amei especialmente a cada pessoa que encontrei. “É preciso estar atento e forte, não temos tempo de temer a morte.” - dentro de mim, ouvia Gal cantar Divino Maravilhoso. (…) Depois de passar por Agra, onde está o Taj Mahal - uma visita curricular - me dirigi a uma cidade já no início das montanhas do Himalaia que se chama Rishikesh. É uma cidade muito conhecida por ser um centro mundial de trabalhos sobre si mesmo, auto conhecimento, e todos os nomes que se criaram para isso, para onde pessoas do mundo todo se dirigem para fazer cursos de yoga, meditação etc. Esta cidade também está às margens do rio Ganges, e aqui mesmo estando bem mais perto de sua nascente ele já é imenso! E ao cair da noite uma névoa de uns dois metros de altura desce sobre o rio… impressionante, uma coberta de céu desce sore as águas. Quando cheguei em Rishikesh meus planos eram fazer algumas aulas, mas algo sucedeu… Quando cheguei ao Hostel onde ficaria, chovia, chovia… e eu me dei conta de que estava tão repleto de sensações, pensamentos, sentimentos que não cabia mais nada dentro de mim. Resolvi ficar quieto no quarto, escrevendo cartões postais para as pessoas que doaram para me apoiar nessa viagem, você talvez.., e quando a chuva passou, durante os três dias em que fiquei nesta cidade, fiz caminhadas até uma ponte pênsil muito bonita que atravessa o rio e passei em frente a vários ashrams, onde se ministravam, em salas cheias, vários cursos de yoga, meditação… e um novo pensamento foi emergindo em mim. Esse pensamento pode ser meio radical e até imbecil, posto que vem carregado por ignorâncias minhas, possíveis não saberes. É um pensamento relacionado à nossa liberdade de indivíduos de desenhar nossos próprios caminhos de trabalho sobre nós mesmos. Penso nos caminhos trilhados por tantos outros, se eles nos servem, integralmenete, ou não, de modelos. Por exemplo, as religiões, as linhas filosóficas, as práticas meditativas, correntes pedagógicas, linhagens culturais. Tudo isso que sempre foi uma grande parte da minha vida e do investimento do meu tempo e cada vez mais me parece ser necessário um desprendimento da ortodoxia contida no vivido por outro; um questionamento sobre a vinculação radical com o que já foi vivido por outra pessoa. Por um lado, sinto como se a experiência do outro me protegesse, me anestesiasse diante do meu caminho que é único. Isto não significa não praticar yoga ou ir não ir à igreja, ou não ler livros, nada disso! Mas significa estar atento para a relação do vivido por outros com o meu próprio caminho de trabalho sobre mim mesmo. Nesse sentido, hoje, aos 55 anos eu me sinto ‘começando' a explorar caminhos absolutamente diversos de tudo que eu vivi até então. Integrando, de alguma forma, todo o vivido. Passei boa parte de minha vida circundado de muitas e muitas pessoas e, há um tempo, estou morando sozinho, num pequeno apartamento, absurdamente exposto a mim mesmo. Isto para mim tem sido uma celebração de vida-morte e uma possível, sutil , iluminação tem sido construída sobre vários aspectos. Construo espaços fora&dentro de mim, para novos encontros com pessoas que me desloquem, desafiem e também que me apoiem com escuta, espelhamento e… algum carinho… porque ninguém é de ferro. Tenho aberto espaços para me olhar em minha totalidade entre fraquezas fortes e fortalezas frágeis. Meus orgulhos de onde me acho muito bom e minhas vergonhas de onde acho que eu sou muito ruim, tudo isso vai se desfazendo em pleno ar, nestes espaços de solidão consciente e de abundante reflexão. A vocês queridas amigas, queridos amigos, agradeço do fundo do meu coração pelo apoio na viagem à Índia e reconheço os frutos fartos que ela tem me trazido. Desejei aqui, transbordar um pouco do que brotou para mim, em seus copos. Desejo que vocês estejam vivos e atentos em suas trajetórias, que se reconheçam brincantes em suas vidas, no mais profundo sentido desta palavra, e que possamos seguir nos acompanhando na palavra e no silêncio, na distância e no afeto. Com todo amor,


bottom of page