CARTAS DO FUNDO DO CORAÇAO E DO MUNDO
Diário dia 25 de junho de 2017
(…)Eu, bem, comi umas coisinhas “very spicy”, mas logo fui… é que, havia chegado minha hora no salão de beleza.
"Não se pode dizer que parte dele não fosse leve, ocasional e marginalmente adepta a aplicativos de relacionamento. Era. Com pudor. Mas as condições exóticas da situação, uma certa euforia com o novo visual e, na medida do possível, com uma digna recuperação pós ânsia, justificariam o uso desses mecanismos contemporâneos, tipicamente líquidos e limpos, como diria Bauman. Fez login e entrou. Na Índia, será? Não deve nem ter gente inscrita. Não deu 3 minutos e já havia uma boa lista de matches. Um visitante branco, sucesso. Ele já sabia, queria entrar na vida de uma pessoa/família muçulmana, nada contra cristãos e hindus, mas a bola da vez seria o universo de Assalamualaikum. Vamos ver… quem?, qual perfil?… Isso às vezes demora um pouco.”
Ah que auto estima incrível na saída daquele salão, recuperação total. Estava me sentindo renovado. Almeida que chegou da comilança apimentada, veio logo me saudando e elogiando. “Tião, nem parece um cinquentão!” Saí do salão de beleza outra pessoa. Sempre soube que teria problemas com a velhice e com a morte. Tenho muito orgulho de mim, do que tenho me tornado e, sinceramente acho uma pena tudo isso enrugar e depois evaporar e empozar. Mas fazer o que? Há dias melhores que outros, mas não deixo de prestar atenção nessa peninha que tenho de partir, há muita libertação nela. Essa é uma parte que, quem prestar atenção no que está lendo vai, talvez, se decepcionar um pouco com o autor: não tenho energia para cogitações sérias sobre os antes e os depois dessa vida. Amo todas as metáforas, todos os contos e como todas as religiões tratam nossa chegada e nossa partida. Sobre isso, eu mesmo tenho mitos inteiros dentro de mim. Poderia ter fundado umas boas religiões por aí. Faria sucesso e ganharia dinheiro; mas não consigo tratar desse tema se for para aplacar meu terror e maravilhamento diante dele. Sobre o nascer e o morrer prefiro seguir aterrorizado e pleno de maravilhamento. Não admito resolver isso em mim. É o maior tesouro que cultivo.
Da rua em frente ao Central Market, onde ficava ‘o salão' fomos, Almeida e eu, para a BF6, rua de nossa B&B, onde jantamos uma comidinha especial, Chapati, Yellow Dal, Aloo Jeera e Deep Frie Rice, preparada por Dharmendra, Yugal, Tarun e Berbashis, os quatro juntos numa cozinha de 1,5X3m. Aqui tem sido assim, eu não pego meu café e misturo com leite e açúcar, não. Alguém pega, mistura, adoça e, se eu bobear vai ate me dar café na boca. Tenho que logo ir falando Namastê, Namastê. Dhonobad! E tratando de pegar minha bebida, ou comida. As ruas estavam muito cheiras de pessoas comendo e bebendo, cheiro de gengibre, canela, cebola, Xai, vapores…e lama. Era ante véspera do maior festival muçulmano do ano o Eid Mubarak, que marca o final do Ramadã, o mês sagrado de jejum e orações especiais. Imagina um país um pouco menor do que o Estado do Amazonas, mas com 12 vezes a população do Brasil inteiro. Assim, em cada beco 30 pessoas, em cada barraquinha 40, nada sem fila, gente, gente, gente. Bonito e um pouco assustador.
“Pronto logo ele já possuía no aplicativo umas três possibilidades bem encaminhadas. Depois de um tempo, marcou com aquela pessoa que mais lhe interessara. Se encontrariam no sábado de manhã no New Market, um enorme mercado central, rodeado de quarteirões de comércio popular, tipo um Saara, ou uma 25 de março, guardando as devidas proporções e intensidades. Como se reconheceriam? Trocariam fotos com a roupa que estariam usando. Isso em meio à multidão seria nada, mas já era algo. Linhas cortantes nas emoções dele. Ele sabia o que queria: mergulhar num contexto muçulmano na véspera do Eid Murabak e seguir até onde fosse possível, radicalmente entregue ao que viesse."
Amanheceu sábado, estava difícil levantar, o meu corpo pesava, ele ainda estava no fuso do Brasil, era 1:00h da madrugada no meu corpo. Mas, assim mesmo levantamos Almeida e eu, ele tomou banho. Eu, honrei as raízes ibéricas. Banho? Nem suei de noite… A gente combinou que o programado dai seria New Market pela manhã, Casa de Mother Tereza pós almoço e Victoria Memorial pelo fim da tarde. Ah! Café esquece. Não vi café de verdade ainda por aqui, só solúvel. O que escrevi lá encima foi uma imagem. Tem água, sucos, chá verde, outros chás de ervas frescas, Xai e todos os chás pretos ingleses. Suco de laranja, ovos mexidos e chapati(Plain Roti) foi nosso café. Servido E observado pelo quatro cozinheiros. A cada mexida de cabeça minha, ouvia um - ‘Yes Sir’ e um movimento em minha direção. E eu pensava: caramba, que situação. Acabou o café e decidi: ‘Almeida, vai indo pro New Market que e tenho que escrever meu diário, mais tarde te encontro lá. Sorrisão, lá foi Almeida.
“A entrega à sua vivência muçulmana teria como 1o cenário o New Market, que era uma mistura de fedor e cor, um cenário paradoxal, onde ruínas de grandes galpões de ferro contorcido eram usadas como suporte de tendas onde se vendia de tudo. À esquerda disso várias portas que davam para labirintos semi iluminados com dezenas de pequenas lojas com Saris, objetos de cobre e estanho; malas(espécie de 'terço' budista), animais os mais diversos, sobretudo frangos e cabritos, molhados da chuva e excretando abundantemente. Marcaram encontro na entrada principal desse labirinto. Lá estavam ele e seu colega de trabalho aguardando a chegada da terceira pessoa. O colega de trabalho não fazia idéia do que se passava(…?). Ele havia dito que se encontrariam com um parente de amigos indianos de amigos brasileiros. Cai uma chuva forte, as pessoas não se alarmam e seguem buscando abrigo. Em 10 minutos o sol abre e o vapor dobra a sensação térmica. Logo Abdul, um senhor de bata branca, chapéu muçulmano, bem magro, sai do breu de um dos longos corredores do mercado, se aproxima e os assume como seus. Não havia o que pudessem fazer pra se livrar de Abdul, ele era um condutor de potenciais compradores para lojas específicas dentro do labirinto modorrento. Abdul é a resiliência encarnada, cede, concorda e reaparece no mesmo lugar. Teve uma idéia, pediu a Abdul que ligasse para o contato do aplicativo, ao que Abdul prontamente atendeu, entendendo assim que havia sido aceito com ‘guia’ dos brancos. Do outro lado uma voz. Já estava chegando. Ah! Aquela sensação."